(Mc 1,29-39. TCB, V)

Pe. Mairon Gavlik Mendes, LC

Era pelos inícios do grande século XVI quando uma criança portuguesa foi raptada e levada por um viajante até a Espanha. Lá foi deixado aos cuidados de um homem de bom coração que o educou como a um filho. Como ninguém sabia bem quem era a criança e nem de onde ela tinha vindo, o chamaram João de Deus. Quando quiseram casar João, este fugiu e começou uma vida errante até estabelecer-se em Granada abrindo uma livraria. Com pouco mais de 40 anos, João escutou uma pregação de São João D’Ávila onde foi tocado pela misericórdia de Deus. Vendeu seus bens, distribuiu aos pobres e começou uma vida de penitência até que o internaram num hospício tendo-o como louco. Lá, recebeu tratamento desumano, conforme a ignorância da época quanto às doenças mentais. Depois de ter sofrido cruelmente, ele foi acolhido e orientado por São João d’Ávila decidindo fundar um local que chamou de “casa-hospitalar” para dar tratamento mais adequado aos tidos como “loucos”. A Casa Hospitalar de João de Deus começou a dar frutos, curando a muitos doentes mentais. Começaram a atender a todos os tipos de doentes. Assim nascia a Ordem religiosa dos Irmãos Hospitaleiros, cujo princípio era “se a alma for curada, estava feito meio caminho para a cura do corpo”. Seu lema resumia uma verdade para toda a vida: “fazei o bem, irmãos, para o bem de vós mesmos”.

O evangelho de hoje, mostra um pouco de como era a jornada de Jesus: curas, pregação e oração. Jesus curava todo tipo de enfermidades. “Eu vim para que todos tenham vida, que todos tenham vida plenamente.” Um terço do evangelho de são Marcos nos fala de cura. Jesus curava, Jesus mandou seus discípulos para anunciar a Boa-Nova curando as pessoas; após ressuscitado e elevado aos céus, Jesus seguia curando através dos seus discípulos (cf. At 4). Jesus continua sua obra de cura por meio da sua Igreja. Os primeiros grandes centros de cura eram obras da Igreja que buscava aliviar os sofrimentos dos doentes, como podemos ver a “Casa del Sollievo” fundada pelo padre Pio.

No antigo testamento, as doenças eram vistas em relação ao pecado cometido. Era a famosa lei da retribuição tão questionada pelos livros sapienciais, que dizia que Deus dá o bem aos bons e o mal aos maus. Ademais do fator da contaminação física, se via a possibilidade de uma contaminação espiritual; por isso que os leprosos eram expulsos das casas e das mesmas cidades onde residiam. Em muitas culturas primitivas, os doentes e fracos eram muitas vezes abandonados para morrer. Em outros lugares mais desenvolvidos, destinava-se lugares para aliviar o sofrimento das pessoas, não a cura-los. Jesus tem um novo modo de ver a enfermidade e aos mesmos doentes; Ele dá um sentido a mesma enfermidade carregando sobre as nossas enfermidades. Ela já não é mais um castigo, mas sim um meio de redenção, pois a doença é capaz de nos unir mais a Deus, de nos purificar e de nos preparar para o grande encontro com Deus, para a vida verdadeira, para o dia em que “Deus enxugará toda lágrima e toda dor”. O sofrimento nos lembra quem somos, frágeis, limitados e desejosos pela eternidade. Para o cristão, existe um valor até no sofrimento: “sofrer significa fazer-se particularmente receptivos, particularmente aberto a ação salvífica de Deus à humanidade” (Salv. Dol. 23).

O sofrimento, a mesma doença foi um caminho de conversão e de crescimento para muitos santos e santas. Pensemos em S. Inácio de Loyola ou S. Francisco de Assis. Para eles, o sofrimento foi um tempo de parada, de reflexão, de encontro consigo mesmo e com a verdade de Deus nas suas vidas. Ademais, quando estamos doentes, nos damos contas das nossas limitações e até da nossa incapacidade de fazer o bem que queríamos realizar. Sobretudo, nos damos conta da realidade do pecado, esta doença que pode tirar o que temos de mais precioso, nossa amizade com Deus para toda a eternidade.

Não é errado pedir a própria cura. Mas o melhor é a nossa salvação, daquelas pessoas que amamos, de todas as pessoas. Jesus nos dá o exemplo que o principal é conformar-se com a vontade de Deus que quer o melhor bem para nós, como Ele mesmo o fez no Monte das Oliveiras. Jesus sofreu; não foi fácil, mas o fez com amor pela nossa salvação. Os doentes são muito importantes para a Igreja porque nos lembra o sofrimento do Cristo que quis se identificar com nossas misérias e deu sua vida por nós, que carregou sobre si o peso dos nossos pecados trazendo-nos a salvação. Os doentes são muito importantes para a Igreja porque Cristo pode seguir através deles sua obra de redenção se eles estão unidos a Cristo. Com o “beijo de São Francisco de Assis no leproso”, a Igreja começou a ver melhor neles um irmão em Cristo. Para Deus, vale mais uma hora de sofrimento vivido com paciência e amor buscando a sua Santa Vontade, que toda uma vida sadia vivida para si mesmo. Como Jesus se identificou com todos os necessitados prometendo ele mesmo pagar a quem os ajudasse, cada enfermo pode unir suas dores, moléstias e limitações a Cristo crucificado para que a graça de Deus também chegue aos que mais precisam, como a graça de Deus chegou a nós por meio de Jesus. Desde o seu início, a Igreja cuidou dos órfãos e viúvas e estava presente para socorrer os doentes em todas as epidemias. Muitos e muitos santos e santas ofereceram e até perderam as suas vidas socorrendo os doentes. Como tantos santos que nos precederam, também podemos colaborar com Cristo na sua redenção, ser seu missionário desde um leito, se ali se reza, se une a Deus e se oferece toda a vida com seus grandes desejos, projetos e sofrimentos.

Nós também podemos aliviar os sofrimentos de Cristo consolando-o em cada pessoa que sofre: “tenho sede”, disse Jesus a S. Teresa de Calcutá através de um enfermo. Visitar e cuidar de um enfermo é levar atenção, carinho, levar esperança. A esperança de que aquilo tem um sentido, que a dor pode ser um meio para algo maior é o oxigênio que tantos enfermos precisam para seguir respirando. Jesus veio para nos trazer uma vida plena, uma salvação integral. Ele também pode curar todas as doenças, sobretudo àquelas que nos separam eternamente da fonte da vida. Sabemos que um dia, ele ressuscitará também nosso corpo mortal chamando-nos para viver eternamente com Ele, pois já não existirá nada que nos possa separar do seu amor.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here