(Jo 3,14-21.)

Pe. Mairon Gavlik Mendes, LC

“Não importa saber se Deus existe; o importante é saber se existe ou não existe amor” (Kierkegaard). Estivemos refletindo nesta quaresma os motivos pelo qual Deus, o Filho eterno do Pai, se fez homem. Jesus veio para nos salvar, para nos revelar o Pai, para nos mostrar o caminho ao céu e ser nosso modelo; Jesus também veio para nos tornar seus irmãos, filhos adotivos do Pai comunicando seu mesmo Espírito. Neste domingo, a liturgia nos convida a contemplar o rosto do amor de Deus em Jesus crucificado: olharão para aquele que transpassaram.

Uma vez, existia um povo que tinha uma vida muito dura como escravos. Este povo demorou mais de 400 anos para dizer “basta”. Eles não fizeram uma revolução armada; não tinham força física, muito menos força militar. Porém, eles tinham uma arma poderosa. Eles olharam para o céu gritaram ao seu Deus por auxílio. Deus viu seus sofrimentos e escutou os seus clamores e desceu para libertá-los. Tirou este povo do Egito com mão forte e muitos prodígios. Fê-los atravessar o Mar Vermelho a pé enxuto, a vencerem guerras sem empunhar nenhuma espada, deu-lhes pão, água e até carne. Quando Deus lhes pediu para entrarem na terra que lhes tinha prometido, o povo ficou com medo e duvidou de Deus. Dúvida e medo também estiveram presentes em outra história mais antiga ainda que essa, no jardim do Éden. Depois de tudo o que Deus lhes tinha feito, ainda assim, eles não obedeceram a Deus porque duvidaram do Seu amor. Deus, na Sua pedagogia de pai, deixou esse povo vagar 40 anos pelo deserto para aprenderem a confiar nEle, experimentando cada dia Sua providência.

Por que, diziam eles, “nos tirastes do Egito, para morrermos no deserto onde não há pão nem água? Estamos enfastiados deste miserável alimento.” Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que morderam e mataram muitos. O povo veio a Moisés e disse-lhe: “Pecamos, murmurando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor que afaste de nós essas serpentes.” Moisés intercedeu pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: “Faze para ti uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for mordido, olhando para ela, será salvo….” Se alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, conservava a vida (Num 21,5-9). Poderíamos nos perguntar por que Deus obrou assim, castigando o povo. Deus não quer a morte do Seu povo, mas sim dar-lhes a vida, a Cura; como bom pai, somente quer que confie nele para que lhe obedeça. Quantas vezes os pais fazem de tudo por seus filhos, buscam evitar os perigos, orientar no caminho da verdade e da liberdade responsável, mas os filhos acham que sabem muito mais que eles. Por isso vemos muita gente perdida, ou, ao menos, que passou por alguns sustos na vida. Quem era picado pela serpente, bastava tomar o remédio que Deus tinha deixado e receberia a cura. Por que será nós buscamos e obedecemos a Deus somente quando precisamos algo dele? Deus vem para libertar esses escravos e constitui-los em seu povo, sua parte querida, não somente para restituir a liberdade e a vida perdida, mas para dar-lhes uma vida abundante. Por que então duvidamos de Deus, da sua bondade, de que Ele quer somente o melhor para cada um de nós?

“Não é você que está sofrendo no meu lugar a morte de um ser querido, uma situação injusta, um momento difícil”, alguém poderia responder. Não se pode negar o sofrimento que toda dor causa. Mas a dor, as doenças, a mesma morte faz parte da nossa existência ferida pelo pecado. E Cristo veio para isso, para nos curar, para nos dar esta vida que tanto desejamos. Será que Deus é digno da nossa confiança? Ninguém obedece a alguém que não conhece e ninguém entrega a própria vida nas mãos de alguém que não confie, ou que duvide da sua bondade. O povo era curado do veneno da serpente quando olhavam para a serpente de bronze, porque foi o remédio que Deus deu. Na verdade, Deus poderia ter dado outro remédio. Talvez muitos dos hebreus replicaram a Moisés que não tinha nenhuma relação olhar para uma serpente e ser curado do veneno de outra. Mas foi o remédio que Deus quis dar: a obediência fruto da confiança nele. Hoje, Deus nos oferece outro remédio para curar nossa alma de toda desconfiança na bondade de Deus: “Este é o meu Filho muito amado. Tanto amou Deus ao mundo que enviou o seu único Filho para que, todo o que nele acredite, tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Jesus crucificado é o sinal, o rosto do grande amor que Deus nos tem. Para nós, que muitas vezes duvidamos do amor de Deus, Jesus quer dirigir estas palavras:

“Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus” (De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo, PG43,439.451.462-463).

Deus cumpre sua promessa e envia Seu Filho para salvar todos os que O aceitam. Olhemos para Cristo crucificado e peçamos-lhe a graça de conhecer e crer no seu amor, porque assim receberemos o seu mesmo Espírito que clama Abba, pai, e poderemos viver felizes e serenos em meio a mil dificuldades, pois saberemos que nosso pai, o Todo Poderoso, nos ama e sempre cuidará de nós. Que nesta quaresma possamos dedicar nosso tempo aquilo que é o único necessário e que ninguém poderá nos tirar: experimentar o amor que Deus nos tem. Aproveitemos a prática da Via-Sacra, a oração pessoal, a mesma oração do terço para contemplar o rosto do amor de Deus em Cristo junto e com os olhos da mãe, Maria.

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