(Mc 1,14-20. TCB, III)

Pe. Mairon Gavlik Mendes, LC

Charles Péguy fala de modo muito acertado sobre as virtudes teologais em seu livro Os portais do mistério da segunda virtude”. As vê como três irmãs caminhando de mãos dadas. A fé é a irmã “casada”, cujo andar discreto e compenetrado pelo caminho evoca a fidelidade esponsal. A caridade caminha ao seu lado; é mãe de muitos filhos, a que dá frutos e cujo andar é amoroso e fecundo. A esperança vai entre as duas irmãs mais velhas; é a menos visível e, talvez, a mais esquecida, mas é aquela que em certos momentos da vida toma a dianteira. Podemos pensar que as irmãs mais velhas cuidam e conduzem a pequena. Mas se olharmos com mais atenção, vemos que “é ela, que está no meio, quem conduz suas irmãs grandes. E que sem ela, elas – as irmãs grandes – não seriam nada, somente duas mulheres já idosas, enrugadas pela vida”. A menor, a esperança, conduz a fé, a caridade e a alegria também: a alegria é sustentada, é mantida em todas as circunstâncias, especialmente na paciência pela esperança.

«[A esperança] obriga-nos a recomeçar dezenas de vezes a mesma coisa./ Ou ir dezenas de vezes pelo mesmo caminho./ E que é normalmente o caminho da decepção./ (Terrena.)/ Mas para ela é igual. Ela é como uma criança./ Ela é uma criança./ Pouco lhe importa obrigar a gente adulta a fazer o caminho./ A sabedoria terrestre não é assunto dela./ Ela não calcula como nós calculamos./ Calcula, ou nem calcula, ela faz as contas sem se dar conta,/ tal qual uma criança./ Como alguém que tem a vida toda à sua frente./ E pouco lhe importa se nos obriga a caminhar./ Acha que somos todos iguais a ela./ Não tem em conta as nossas inquietações, os nossos trabalhos./ Limita-se a contar./ Acha que temos, como ela, a vida toda à nossa frente./ Como ela se engana! Como ela tem razão!/ Porque não temos a Vida toda à nossa frente./ A única que conta. A vida Eterna».

Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho. Em outras traduções diz: se cumpriu o tempo e o Reino de Deus está próximo. É como se uma mãe dissesse: “finalmente chegou o tempo de dar à luz; a criança está “pronta”, vamos para o hospital. Convertei-vos e crede no Evangelho. Conversão e fé não estão separadas; vão juntas. É a fé quem nos abre a porta à salvação e nos convida a aceitar esta Boa-Nova, este Evangelho que nos diz: “Deus te ama e veio para te salvar; aceita seu amor, entra na sua amizade!”

Muitas vezes pensamos que nossa relação com Deus começa quando nos esforçamos para viver seus mandamentos; isto é bem assim. É o próprio Deus quem vem ao nosso encontro, quem dá o primeiro passo. Já dizia muito bem são João: Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como expiação pelos nossos pecados (I Jo 4,10). No antigo Testamento, a conversão tinha uma ideia de retornar, de voltar sobre os próprios passos andado fora do caminho da aliança, da Lei do Senhor; mudar de vida para poder voltar à amizade com Deus. Jesus nos convida a algo diverso: não nos convida a voltar atrás; mais bem, convida-nos a ir além, a dar um passo mais, a acolher sua salvação, a iniciativa do Deus que veio para nos salvar. Deus quer nos elevar a uma maior liberdade e alegria.

É acolhendo a revelação divina com nossa inteligência e abandonando-nos confiadamente às mãos deste Pai amoroso o modo como nos apropriamos da sua promessa, a salvação. A conversão já não é somente não fazer as coisas erradas, mas sobretudo uma mudança no nosso modo de ver as coisas, de pensar e amar como Deus mesmo o faz. A mudança de vida é viver uma nova vida, a vida de Jesus. É a certeza do amor de Deus quem nos dá a liberdade para um novo estilo de vida, uma vida maior e mais plena. Acolhamos este convite que Jesus nos faz para viver como Ele viveu. Aprendamos destes primeiros apóstolos que deixando tudo, imediatamente, seguiram a Jesus. Peçamos que Jesus nos faça ver o mundo como Ele vê, a pensar e querer como Ele quer, a amar como Ele ama, pois Ele é amor. Que a confiança nos seu amor, nos mova a acolher sua promessa e viver sua mesma vida.

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