(Lc 4,1-13. I domingo de quaresma)

Pe. Mairon Gavlik Mendes, LC

Estamos começando o tempo quaresmal, um tempo de especial preparação para a Paixão, morte e ressurreição de Cristo, a grande hora da sua vida. A liturgia mostra como nosso redentor vence por nós e nos mostra como vencer o grande inimigo da nossa felicidade, através da fé que é obediência e confiança em Deus.

Nos primeiros séculos, no final do tempo da Igreja primitiva, muitas pessoas começaram a deixar suas cidades, suas famílias e todos os seus bens em busca do deserto. O que estas pessoas buscavam no deserto? Por que elas iam ao deserto? Podemos encontrar um motivo externo e outro interno. Nos três primeiros séculos da nossa era, a Igreja sofreu muitas perseguições, seja por parte dos judeus ou por parte dos romanos. Muitas pessoas deram a própria vida em testemunho da fé católica. Tinham que decidir em permanecer firmes na fé em Jesus Cristo, Filho do único Deus, do Deus vivo, com a firme certeza da realização da promessa da vida eterna ou escolher por adorar a imagem do imperador, então considerado pelo Império romano como um deus. Com o final das perseguições, as pessoas que viviam verdadeiramente esta fé, queriam mostrar também externamente a radicalidade no seguimento de Cristo. O motivo interno, que é o principal, foi o que muitos experimentaram no seu coração. Este chamado de Cristo, como no caso de santo Antão: “Vai, vende tudo o que tens, dá os pobres, depois vem e segue-me”. Um desejo de ser todo de Deus e de viver só para Ele. Eles entenderam que, pelo batismo eram cidadãos do céu e quiseram deixar as preocupações deste mundo para se preocuparem com as coisas do mundo futuro, da salvação das próprias almas e daquelas as quais chegariam os seus sacrifícios e orações.

Literalmente, São Lucas diz que Jesus foi conduzido pelo Espírito no deserto. Foi pelo Espírito de Deus que Jesus foi levado no deserto. É interessante notar que não diz que Jesus foi levado ao deserto, mas que Jesus foi levado no deserto, foi conduzido dentro, no centro desta realidade do deserto. Agora, podemos nos perguntar “o que é o deserto?” O deserto é um lugar extremamente árido, sem água, sem vida, sem as condições necessárias para a vida, sem relações, lugar do perigo, da solidão e da morte. Mas também encontramos no profeta Oséias, que o deserto é o lugar onde Deus fala ao coração (Os 2,16), um lugar silencioso, longe das preocupações e distrações da vida onde podemos escutar a Deus que sussurra ao nosso coração para interpelar nossa liberdade, não um deus que grita para nos impor o medo e nos obrigar a realizar algo forçadamente. Vemos também no livro do Êxodo, que o deserto foi o lugar onde o povo de Israel, libertado do Egito pela Mão forte de Deus, experimentou Seu cuidado, ao receber alimento, água e proteção, mas também o lugar onde este povo duvidou de Deus e da Sua promessa colocando-O à prova.

Talvez muitos se perguntaram: “será que a terra prometida estava tão longe do Egito que precisavam caminhar durante 40 anos?” O livro dos Números nos diz que após um ano da saída do Egito eles já estavam em Cades, na fronteira com a terra prometida, que celebraram a páscoa e enviaram 12 homens para explorar a terra antes de entrarem. Somente que tiveram medo pelos relatos daqueles que diziam que o povo era muito forte, que tinha até gigantes no meio deles (cf. Num 13) e duvidaram desconfiando de Deus; reclamaram com Moisés dizendo: “Ah! Se morrêramos na terra do Egito! Ou, ah! Se morrêramos neste deserto! E por que nos traz o Senhor a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Levantemos um capitão e voltemos ao Egito” (Num 14, 2-4). O povo duvida de Deus, coloca à prova o mesmo Deus que tinha feito tanto por eles. O povo já tinha posto Deus à prova dez vezes: à margem do Mar Vermelho (Êxodo 14:11, 12); em Mara (Êxodo 15:24); no Deserto de Sim (Êxodo 16:3); colhendo mais maná do que devia (Êxodo 16:20); colhendo maná no sábado (Êxodo 16:27-29); em Refidim (Êxodo 17:2, 3); no monte Sinai (Êxodo 32:7-10); em Taberá (Números 11:1, 2); outra vez em Taberá (Números 11:4); e agora em Cades (Números 14:1-4). É verdade que o livro do Deuteronômio disse que Moisés e Arão lhes disse que não se espantassem, nem temessem, pois o Senhor, seu Deus, lutaria por eles, amparando-os como havia feito desde o Egito (Deut 1:29-31). Mas, na realidade, não tomam uma postura firme diante desta desconfiança que lhes levou colocar Deus à prova; eles tentaram a Deus duvidando da Sua Palavra.

A desconfiança em Deus é a raiz de toda tentação. Adão e Eva viviam felizes, em paz, em harmonia consigo mesmos, com toda a criação e com Deus até o momento em que o Tentador sugeriu a ideia de que Deus não queria seu bem, que era o adversário da sua felicidade, que até tinha medo deles. Eles não viviam no deserto, o lugar da morte, da necessidade de tudo o que é necessário para vida; pelo contrário, viviam no paraíso, na plenitude da vida, pois ali estava a fonte da Vida. Foi esta desconfiança que lhes levou a desconfiar de Deus e a desobediência; não escolheram o caminho da vida, mas aquele que leva a morte.

Jesus, nosso Salvador e Redentor, logo após seu batismo em que deu início a sua missão pública como enviado do Pai, vai à raiz de todo o problema que nos afasta de Deus. Vai ao deserto para buscar escutar a voz de Deus e realizar sua vontade. Ali não tem nada; ora e jejua durante 40 dias e 40 noites – em referência aos 40 anos que o povo ficou vagando pelo deserto recebendo de Deus cada dia o alimento para a sobrevivência – e depois destes dias ficou esgotado. Como fome, com sede, cansado. Imaginemos a situação de Jesus. Jesus é posto à prova; é neste momento aparece novamente o Tentador para sugerir que deveria fazer as coisas de modo diverso, não segundo o Espírito de Deus que lhe tinha conduzido no deserto. “Você não é o Filho de Deus? Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pão. É simples! Está com fome, faz este milagre.” Quantas vezes sentimos necessidades na vida; temos algum tipo fome, temos problemas, sofremos alguma situação injusta. Qual vai ser nossa atitude diante disso? Temos dois caminhos a seguir: aquele que o Espírito de Deus, a Palavra de Deus nos sugere, o caminho do bem que leva à vida, ou aquele que o Enganador – Satanás significa mentiroso – nos sugere, o caminho de fazer as coisas não segundo o Espírito e a Palavra de Deus, mas segundo aquilo que achamos que é bom, ao menos bom para nós, para que ao final não nos leva à vida. Deus tem um plano para nossa vida, mas é um plano que como o da vida de Jesus, sem grandes triunfos, silencioso, um plano que passava pela morte que leva a vida eterna, mas muitas vezes o Enganador nos propõe pular de cima do pináculo do templo para que os anjos nos segurem e todos nos aplaudam e reconheçam que somos importantes. E quantas vezes buscamos a fama, uma vida de aparências, ou o mesmo poder que traz consigo uma certa segurança, mas que no fundo pode nos levar a pensar que este é nosso lugar, nossa vida verdadeira, definitiva, ou como se tudo o que precisamos para esta vida depende de nós.

Jesus, o Filho de Deus, que veio para nos salvar, para nos revelar o rosto do Pai e nos fazer seus irmãos, filhos do Seu Pai, nos ensina o caminho para a vida verdadeira, para o céu: não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus (Mt 4,4). Foi pela Palavra de Deus que tudo foi criado; bastou que Deus dissesse “faça-se a luz” e a luz se fez e assim toda a criação. Deus é um Pai que nos ama tanto que enviou seu único Filho para que todos aqueles que nele cressem, tivessem a vida eterna (cf. Jo 3,16). Mas é necessário crer na sua Palavra e naquele que Ele enviou. Jesus ataca pela raiz aquilo que nos afasta de Deus, o pecado com a fé no amor do seu Pai que significa confiança, abandono total e ao mesmo tempo obediência, fidelidade a sua Palavra. Por isso o Salmo diz: porque a mim se confiou, hei de livrá-lo, ao invocar-me, hei de ouvi-lo (Sal 91).

Ainda que o Enganador tente tirar-nos do caminho que leva à vida, Jesus nos mostra que é a confiança no seu Pai e a fidelidade a sua Palavra aquela que nos leva a vida verdadeira. Aproveitemos este tempo de quaresma através da oração, do jejum e da caridade para voltar-nos de todo o coração a Deus. Alguns podem estar mais longe, outros menos, mas o importante é acertar o alvo, o caminho que leva ao céu, é ter a Deus não só no primeiro lugar da nossa vida, mas no centro da nossa existência. O caminho da verdadeira felicidade não é estar “mais ou menos” no caminho de Deus, mas converter-nos de todo o coração a Ele, vivendo sua Palavra – resumida nos Dez Mandamentos e principalmente no mandamento do amor – nos nossos pensamentos, palavras e ações. Para chegar ao céu, é necessário colocar o melhor de nós e seguir toda a sua Palavra, não somente aquilo que nos convém.

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