Por: Dom Adelar Baruffi- Bispo de Cruz Alta

De maneira muito clara, o Papa Francisco conseguiu apresentar, na sua Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, sobre o chamado à santidade no mundo atual, duas sutis falsificações do ideal cristão de santidade. Tratam-se do gnosticismo e do pelagianismo, já conhecidos na história da Igreja. Não interessam tanto as palavras “gnosticismo” e “pelagianismo”, que para a maioria dos cristãos não são conhecidas, mas o conteúdo que elas traduzem.Expressam algo de errado, que devemos nos precaver e discernir em nosso caminho espiritual.

O primeiro, o gnosticismo, põe o acentona quantidade de conhecimentos que se possa acumular sobre a fé, ao invés da vida movida pela caridade. Transforma a fé e a vida em abstrações teóricas, fechada na imanência da própria razão, não se preocupando com a necessária encarnação de nossa fé na história, no mundo, e “incapaz de tocar a carne sofredora de Cristo nos outros” (GE 37). Acaba desencarnando o mistério e fica com “um Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo” (GE 37). Quer ter tudo explicado, seguro e, através de uma lógica fria, dominar o mistério da fé e a transcendência de Deus. A consequência é que “com frequência, verifica-se uma perigosa confusão: julgar que, por sabermos algo ou podermos explicá-lo com uma certa lógica, já somos santos, perfeitos, melhores do que a «massa ignorante»” (GE 45). Dito de outra maneira, o esforço de conhecer e aprofundar a fé que professamos é salutar, mas ele não é critério de santidade. Podemos conhecer toda a Sagrada Escritura e toda a Teologia, porém não ter fé e não operar na caridade a partir de Deus.

O outro modo errôneo é aquele que mede a santidade pelo esforço pessoal, que confia unicamente em si mesmo e sente-se vencedor e melhor que os demais por ser observador fiel de todos os mandamentos.Na verdade, pode correr o risco de desprezar a graça de Deus e pensar em operar uma autossalvação, apresentando-se diante de Deus quase que com direitos adquiridos. Estes são os chamados pelagianos, com suas derivações. Porém, “para poder ser perfeitos, como é do seu agrado, precisamos viver humildemente na presença d’Ele, envolvidos pela sua glória; necessitamos andar em união com Ele, reconhecendo o seu amor constante na nossa vida” (GE 51). “A Igreja ensinou repetidamente que não somos justificados pelas nossas obras ou pelos nossos esforços, mas pela graça do Senhor que toma a iniciativa” (GE 52). Santa Terezinha nos dá o exemplo, quando afirmou, antes de partir deste mundo: “Ao anoitecer desta vida, aparecerei diante de Vós com as mãos vazias, pois não Vos peço, Senhor, que conteis as minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas aos vossos olhos”. A Igreja sempre ensinou que ao operarmos o bem, somos precedidos e acompanhados pela graça de Deus. Nossas boas obras são uma resposta de gratidão a Deus pelo seu grande e imenso amor ao nos salvar e estar sempre conosco. Superemos toda a vaidade que faz acentuar a capacidade e o agir próprios. Nossas ações devem ter a marca da gratuidade. Afinal, com Deus não podemos comercializar nada, tudo é graça! Superemos a visão mercantilista da fé. Nunca oferecer algo a Deus esperando receber em troca.

Diante destes dois desafios, presentes de algum modo em todos nós, Jesus nos convoca ao centro, simplificando o caminho. Pede-nos a fé e a caridade, “dois rostos, ou melhor, um só: o de Deus que se reflete em muitos” (GE 61).

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