Uma das minhas histórias favoritas da Bíblia é a da rainha Ester, narrada no livro que tem o seu nome.
 
Filha de Abigail, da tribo de Benjamim, Ester morava com Mardoqueu ou Mordecai, seu primo, funcionário do palácio de Xerxes I, o imperador persa que na Bíblia leva o nome de Assuero. Quando Assuero rompe o seu casamento com Vasti, a rainha, e a remove de seu título por desobediência um decreto seu, os servidores do palácio foram encarregados de lhe apresentar sucessoras. O imperador se casaria com aquela que lhe agradasse e a tornaria rainha.
 
Naquele tempo, os hebreus eram seriamente perseguidos na Pérsia, a mando de Hamã, ministro de Assuero. Com efeito, Assuero emitira um decreto para que todos se curvassem, ajoelhassem e prestassem culto de adoração a Hamã em sinal de respeito a seu ministro. Mardoqueu, primo de Ester, e um dos funcionários de Assuero, recusou-se a cumprir o decreto pois, como hebreu, só a Deus adoraria. Isso enfureceu Hamã, que conseguiu de Assuero a ordem para exterminar os judeus por conta do crime de Mardoqueu.
 
É nesse contexto que Ester é escolhida como a mais bela de todas as mulheres e Assuero a faz sua rainha. Ester, a nova imperatriz, pede ao seu novo marido que salvasse seu povo. Assuero, com isso, descobre que o povo a que Ester pertence é aquele a quem ele manda exterminar a instâncias de Hamã, suspende a ordem e poupa os hebreus. Mais do que isso, Assuero manda enforcar Hamã usando o mesmo instrumento que estava destinado a Mardoqueu. Ademais, o imperador confere aos judeus o direito de se defenderem caso sejam atacados pelos persas.
 
E isso ocorre exatamente na data planejada por Hamã para o extermínio dos hebreus na Pérsia. Os judeus se revoltam e contra-atacam, sendo vitoriosos. Desde então e até os dias de hoje, celebram o Purim, uma festa anualmente em honra à sua salvação, feita pela Providência Divina, que se usou de Ester e a colocou em uma posição privilegiada. Deus usou da beleza, da feminilidade e da elegância de Ester para que conquistasse a simpatia de Assuero e salvasse o Seu Povo Eleito.
 
Embora não seja o assunto principal do livro – que é a Providência -, sua leitura faz com que aprendamos com Ester a ser feminina e elegante. Foi a elegância de Ester que propiciou a salvação do povo hebreu. Deus quis se usar da elegância de Ester para manifestar o poder de Seu braço.
 
Vestir uma bela roupa, maquiar-se, estar alinhada, ter hábitos gentis e uma aparente distinção nas formas e nas maneiras. Tudo isso é importante, claro, mas nem sempre é realmente elegância. A verdadeira elegância externa deve vir de dentro. O frasco bonito que não revela um conteúdo igualmente bonito perde todo o seu sentido. É uma mentira, uma enganação, um produto estragado e com uma mensagem falsificada. É preciso que todas as nossas ações elegantes reflitam algo mais profundo. Apenas cuidar do exterior é adornar uma personalidade vazia. O enfeite pode dar uma aparência de beleza e elegância, mas logo isso se desfaz com a dura realidade.
 
Para alcançar essa elegância interior precisamos de tanto (ou até mais) esforço quanto aquele desprendido para chegar à elegância exterior. Se nos esmeramos para vestir algo bonito e agradável aos olhos, se há genuíno empenho em observar as regras de etiqueta, se mesmo no dia mais triste damos aquele gás para nos maquiar, também para sermos interiormente elegantes é preciso um certo afinco.
 
De modo igual, é preciso que tenhamos vida interior. Ela começa no relacionamento com Deus, mas passa pelo cultivo da imaginação, sobretudo a imaginação moral, e a certeza de que temos uma missão a cumprir nessa vida para ganharmos a próxima. E isso nos dá entusiasmo e alegria de viver.
 
“Não há beleza que seja atraente sem entusiasmo.” (Christian Dior) Se o conhecido estilista disse isso para todas, mais vale o recado para mulheres cristãs: até porque nosso entusiasmo tem uma inspiração maior que nos chega pela graça de Deus. Estejamos abertas a ela, e a nossa beleza será atraente, não para seduzir os homens pelo caminho do pecado, e sim para refletirmos o quão bela é a criação do Senhor. Todos podem ser entusiasmados, mostrando com a sua elegância externa a interna. Já os cristãos não apenas podem, como têm uma obrigação.
 
Ovídio dizia que é pela elegância que somos seduzidos. Aqui a palavra sedução não vai no sentido mau ligado à luxúria, à fornicação, ao adultério e a toda a sorte de atentados à castidade própria e alheia. Seduzir é atrair, e todos possuímos o poder de atrair, para o bem ou para o mal. É natural. É do ser humano. A elegância verdadeira, que vem de dentro, atrai para o bem. A falsa elegância, meramente externa age de modo semelhante à falta de elegância e de beleza mesmo exterior: ambas causam repulsa, a última instantaneamente, a primeira após descoberta a farsa de sermos apenas, como dizia Machado, enfeitadas.
 
“Para ter olhos belos, procure o bem nos outros, pois belos lábios, fale somente palavras de bondade, e para ter boa postura, caminhe com a certeza de que você nunca está sozinho.” (Audrey Hepburn)
 
Se tudo isso é verdade, não anula o fato de que a elegância exterior, desde que reflexo da interior, é também importante.
 
Jesus mesmo no diz: “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, porque a boca fala daquilo de que o coração está cheio.” (Lc 6,45) O exterior, pois, deve ser reflexo do interior, e não nos adianta nada cultivar apenas o interior, desdenhando do exterior. O homem é alma unida a um corpo. Claro que a alma é mais importante, claro que esta é a forma, claro que ela é que nos garante a semelhança com Deus, e dela procedem os afetos e as intelecções. Não olvidemos, todavia, que embora menos importante, o corpo é também criação de Deus. Negar isso é cair na gnose, é achar que o corpo é maldito, é ruim. O corpo precisa submeter-se à alma, mas não ser negado ou extinto. Até mesmo o Credo que rezamos em todas as Missas diz que no fim do mundo haverá a ressurreição da carne: não é só a alma que será salva, o corpo também. O homem ressuscitado unirá sua alma salva ao corpo tornado glorioso. A busca da santidade, questão profundamente interior, deve se manifestar no exterior, também em nossas vestes, que passam sempre uma mensagem aos outros.
 
“Você pode ter o que quiser se você se veste para isso.” (Edith Head)
 
A moda “periguete” ou “biscate”, por exemplo, é reflexo de uma crise gravíssima na identidade feminina, um fruto do feminismo, que tanto combateu pelos direitos da mulher e que gerou, paradoxal mas necessariamente, a vulgarização da mulher por conta de um mal compreendido exercício desses mesmos direitos. Também é manifestação da imagem que a mulher tem de si mesmo, como se o atraente fosse a exposição desmedida de seu corpo. Como li em algum lugar, para algumas não basta ser graciosamente sexy, pois o objetivo é parecer modelo de capa de revista de gosto duvidoso ou madrinha de bateria em ensaio de escola de samba.
 
O grande São Paulo da Cruz, em carta de 9 de março de 1760, adverte à sua dirigida Teresa Palozzi para que “guarde todos os seus sentidos, em especial os olhos, e também seu coração. Seja modestíssima e guarde a maior compostura de noite e de dia em todos os seus gestos. Deves amar e guardar a virtude da modéstia com o máximo zelo; não se fie em nada e, sobretudo, desconfie de si mesma.”
 
Se o seu coração feminino exala a sua fé cristã, você transparecerá isso em tudo, inclusive em seu vestuário. E isso a ajudará até mesmo a conseguir um relacionamento conjugal sólido e sadio. “O coração de uma mulher deve ser tão próximo de Deus que um homem precisa persegui-Lo para encontrá-la.” (C.S. Lewis)
 
Salomão elogia, no Cântico dos Cânticos, a sua esposa. Ela é bela. Ela é formosa. E isso o atrai. Não há nada de mal nisso. Se os homens não se sentissem fisicamente atraídos pelas mulheres que consideram belas, não haveria amor romântico nem casamentos. O erro é exaltar a beleza física acima de outros atributos, notadamente os espirituais, não considerar que a beleza ou a elegância é feia. A Bíblia nos conta que Sara, esposa de Abraão, era bonita (cf. Gn 12,11). Ester e Vasti também eram. A Sulamita, amor de Salomão, igualmente. Salomão chega a descrever suas minúcias no Cântico dos Cânticos, como a beleza de suas faces, de suas pernas e até de seus seios, tão inebriado estava com o amor daquela mulher.
 
“Lia tinha os olhos embaciados, e Raquel era bela de talhe e rosto.” (Gn 29,17)
 
“(…) que trouxessem à sua presença a rainha Vasti com o diadema real, para mostrar ao povo e aos grandes toda a sua beleza, porque era formosa de aspecto.” (Et 1,11)
 
Essa beleza física, esse arranjo das vestimentas, esse bom gosto na escolha dos vestidos, esse cuidado ao se arrumar e se maquiar, esse porte, essa elegância, essa formosura, devem estar a serviço da beleza interior, que toda mulher preocupada em crescer moralmente deve ter. Mesmo quem não teve um encontro pessoal com Cristo é, humanamente, chamada a viver essas virtudes relacionadas à elegância da alma, à beleza interior. Os valores perenes, aqueles eternos, que não passam, existem na natureza, não na esfera da graça, e, pois, todas podem cultivá-los. As cristãs, todavia, por reconhecerem a sua dignidade em face da criação por Deus e por terem sido transformadas interiormente pela graça (cf. 2 Co 5,17), que nos dá uma dignidade ainda mais excelsa, são vocacionadas, sobremaneira, a manifestar a glória do Senhor por uma vida que seja interiormente bonita e que se expresse igualmente no exterior.
 
E uma beleza integral. Integral porque o corpo e a alma serão formosos. E integral porque, do exterior, embora um ou outro ponto se ressaltem, todo o conjunto é harmonioso. “Uma mulher bonita não é aquela de quem se elogiam as pernas ou os braços”, pontificou o célebre Sêneca, jurista romano nascido em 4 a.C, “mas aquela cuja inteira aparência é de tal beleza que não deixa possibilidades para admirar as partes isoladas.”
 
Não há mal em se embelezar, usar cremes, maquiagem, batom, unhas pintadas, brincos, jóias, belas roupas e acessórios interessantes. Seu uso, todavia, precisa ser contido, inteligente e não exagerado.“[N]ão se proíbe às mulheres um ornato moderado”, diz Santo Tomás, “mas o excessivo, desavergonhado e impudico.” (S. Th., II-II, q. 169, a. 2) No mesmo artigo da Suma, também nos diz o santo doutor que “as mulheres podem adornar-se licitamente para conservar a elegância de seu estado, e inclusive acrescentar algo para agradar a seus maridos.” (S. Th., II-II, q. 169, a. 2)
 
Portanto, sem exageros laxistas de “perua”, mas também sem aquele falso moralismo e até escrúpulo de certas tendências rigoristas, se arrume. Maquie-se, use um bom batom, faça suas unhas, coloque um perfume agradável, e se ame bastante. Cuide de seu peso e de sua pele. Tenha um brilho nos olhos. Desfaça a sua cara amarrada, trate seus cabelos, e vista uma roupa bonita. Mostre que ser quem você é não é desculpa para andar desleixada, e nem ter como prioridade o interior é motivo para não ligar para o exterior.
 
Até porque o descuido a pretexto de piedade pode ser também vaidade. Algumas podem se orgulhar de não dar bola para roupas, para maquiagem, para elegância, e isso é vaidade. Achar-se superior às demais, como se fosse a super espiritual, a tão angelical que nem mesmo se preocupa com o externo, é uma forma de soberba. “Não só no esplendor e na pompa corporal, senão nos vestidos mais vis e degradantes, se pode buscar vaidade.” (Santo Agostinho, De Serm. Dom. in Monte)
 
Aprendamos de Ester que a elegância pode ser, sim, um instrumento nas mãos de Deus. Talvez não para eventos grandiosos como a salvação de um povo no primeiro Purim, mas ao menos para mais manifestar a nossa condição feminina, ainda mais nesses dias de extremismos em que vemos ao mesmo tempo exposição demasiada do corpo e negação da própria beleza como se fosse futilidade.
 
Conhecer a história de Ester é tão importante para percebermos que a beleza e a elegância também devem servir a Deus, também são “talentos”, como na parábola contada por Cristo, e que devem ser multiplicados, que a tornei padroeira desse meu blog e do meu apostolado na moda em geral.

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