Veja uma entrevista com Pe. Gerardo Flores, LC, diretor do departamento de ambientes seguros da Legião de Cristo:
Ambientes seguros. Um conceito que ressoa principalmente no coração das famílias e das instituições depois que se foi descobrindo como as crianças no mundo tem sido abusadas física, psicológica y sexualmente. O que pensa a Legião de Cristo sobre o tema de ambientes seguros?
Creio que não só temos nos dado conta de que são muitas as crianças no mundo as que tem sofrido este tipo de abusos, senão que hoje temos uma maior compreensão do impacto e danos que geram nos que tem sofrido e como o processo para curá-los é largo e muito duro. O efeito nas vítimas é devastador. Este impacto é ainda maior quando os que tem cometido o abuso é um sacerdote ou um religioso. Pois quem deveria aproximar as pessoas a Deus, pelo contrário com o abuso confunde, decepciona e trai a confiança da vítima, da sua família e da sociedade em geral, mostrando um rosto errado de Deus e afastando as almas d’Ele.
Na Legião hoje sabemos que os ambientes seguros tocam o mais profundo de nossa missão e ministério como sacerdotes, chamados a aproximar a cada pessoa a Deus. Sabemos da grande necessidade de Cristo que tem os jovens de hoje. Dar-lhes um ambiente seguro é uma necessidade elementar.
Temos que reconhecer que existem pessoas que em um passado, tem sofrido abuso da parte de sacerdotes e religiosos da nossa Congregação e nem sempre soubemos atendê-las bem. Sabemos que não existe nada mais contrário à nossa responsabilidade de evangelizar que ferir a dignidade das pessoas e que por isso devemos viver em uma atitude de constante conversão, como pede o Papa Francisco, para comprometer-nos sinceramente na proteção dos menores e adultos vulneráveis.
O que foi feito durante esse último período de governo para tornar a prevenção de abusos de menores e sobre a resposta as denúncias, uma prioridade entre os membros da Legião de Cristo?
A partir da direção Geral, temos promovido a implantação de nossos padrões de ambientes seguros que se dividem em três grandes grupos: prevenção, resposta e supervisão.
Prevenção porque não queremos que estes abusos se repitam em nossa instituição e temos que colocar em jogo todos os meios a nosso alcance para evitá-lo. Entre os meios que aplicamos está o processo de seleção ao ingresso a nossa Congregação, a formação humana, afetiva e psicossexual dos nossos religiosos, os códigos de conduta (recentemente atualizados) assim como o cuidado e a atenção na formação permanente dos nossos sacerdotes.
Resposta porque queremos atender a qualquer denúncia ou queixa. Sabemos que para uma vítima este é o início do seu processo de cura. Isso inclui não somente atender as denúncias, mais oferecer a atenção pastoral necessária para contribuir a cura daqueles que sofrem abuso.
Supervisão porque temos o dever de acompanhar os legionários que tem cometidos faltas nesse campo, ajudando-lhes a compreender sua responsabilidade quando expostos a riscos nesse campo ou pelos danos causados, e impedir que continuem a causa-lo.
Todos os territórios (províncias), que não tem uma instituição local que certifica o cumprimento dessas políticas de ambientes seguros, estão começando ou prestes a iniciar auditorias externas, a maioria por Praesidium Inc, instituição de referência nos Estados Unidos, para avaliar a implementação de políticas de prevenção de abusos e atuação rápida.
Em junho de 2018, nosso diretor geral insistiu aos diretores territoriais e aos coordenadores territoriais de ambientes seguros na importância de conscientizar e promover entre todos os legionários uma verdadeira cultura de ambientes seguros.
Nos países onde não se recebe uma capacitação específica sobre o abuso sexual contra menores, pedida pelos bispos ou pelo estado, a partir da direção geral, com o apoio de instituições como Reparare, um centro de investigação sobre abusos sexuais da Universidade Anáhuac, conseguimos juntos com ela capacitar cerca de 300 legionários.
No início de 2019, comunicamos uma atualização dos nossos padrões de ambientes seguros, fruto de uma reflexão constante para melhorar nossa prevenção, resposta e supervisão. Em concreto, temos pedido a cada governo territorial que coloque em prática um canal independente para denúncias, além do institucional. Desse modo se quer seguir facilitando a aproximação de qualquer vítima. Também comunicamos algumas linhas guias, para a atenção pastoral de vítimas e de quem denuncia um abuso sexual.
O Papa Francisco está reunindo-se com os presidentes das conferências episcopais a nível mundial para analisar o tema da prevenção de abusos de menores e adultos vulneráveis, pois é algo importante para toda a Igreja. Sem pretender fazer uma análise exaustiva. Como está sendo visto a resposta|participação dos legionários sobre o tema de prevenção de abusos nos programas pastorais que dirigem?
Creio que a maioria dos legionários compreendem até onde vai o problema e a necessidade que todos temos de comprometer-nos para fazer da Igreja uma casa segura. Existe um desejo sincero de escutar e de aprender a trabalhar juntos na solução do problema. Isso tem requerido de cada legionário um trabalho árduo para acompanhar o cumprimento e a documentação dos padrões de ambientes seguros, que requerem uma mudança cultural para assegurar os meios de conhecimento, supervisão e preparação que até anos atrás não eram comuns na maioria dos países do mundo tanto a nível estatal como eclesial.
Por que um pai de família deve confiar em que um abuso não vai acontecer na instituição?
Para ser digno de confiança tem que comprometer-se e cumprir. E isso é o que estamos fazendo: nos comprometemos com a prevenção aplicando nossa política de ambientes seguros, e dando créditos por meio de um organismo de certificação independente. E com uma resposta rápida e inequívoco no caso que se produza uma denúncia. Isso significa que o mais importante é a prevenção, que os abusos nunca aconteçam. Se chega a acontecer um abuso, o mais importante é atuar com determinação, de forma inequívoca, adequada e professional. Acolher a vítima com toda compaixão, colocar os fatos em mãos das autoridades competentes para o seu esclarecimento e solicitar uma auditoria externa para que assegure que os passos que damos são adequados. Nunca podemos assegurar que algo assim não vai acontecer. Sim podemos comprometer-nos e colocar todos os meios possíveis para torna-los o mais difícil possível, para que ninguém que tenha essas pretensões se sinta à vontade em nossas obras, para que que qualquer ambiente educativo nas mãos da Legião de Cristo seja um lugar em que ninguém com intenção de abusar de um menor queira estar. E se algum lugar acontecer, se atuará com todas as consequências.
Se em alguma parte surge uma seria acusação implicando a algum membro da Legião de Cristo, o que acontece?
O primeiro é acolher e escutar quem denuncia, oferecer-lhe a ajuda e atenção pastoral, psicológica e humana que necessita e que podemos dar-lhe nesse momento. Também é necessário, segundo as leis dos diversos países e a seriedade de cada caso, informar as autoridades civis e eclesiásticas competentes, e ao mesmo tempo comunicar a quem foi acusado a denúncia contra ele. Por prudência se aplica medidas cautelares ao acusado para evitar um maior dano a possível vitima ou as possíveis vítimas, sem que isso signifique que necessariamente o acusado seja culpável. Se busca assim facilitar a investigação previa prevista pelo Código de Direito Canônico (can. 1717), sempre em acordo com as leis civis em respeito a esses processos. Tem que ser julgado pela justiça civil, como qualquer cidadão, e além do mais, pela justiça eclesiástica, pelo fato de ser um religioso.
Que perspectiva existe para 2019 sobre o tema dos ambientes seguros?
Gostaríamos de conseguir que todos os nossos territórios recebam por parte de uma agenda externa e independente uma certificação, de que cumpre os padrões de ambientes seguros. Onde já conseguimos isso, como Espanha e Estados Unidos, esse processo de certificação nos tem ajudado a aplicar nossas políticas com maior seriedade e profissionalismo. Conseguir isso é um trabalho difícil e que durante o ano exigira dedicação de todos responsáveis para realizá-lo.
Por outro lado, seguiremos analisando melhor o modo de responder e aproximar daqueles, antes da aprovação de nossas políticas de ambientes seguros de 2015, que sofreram abuso por parte de algum dos nossos religiosos.
Acolheremos também o que a Igreja indique como fruto das reuniões do Papa com o presidente das conferencias episcopais e os representantes dos superiores maiores para fazer as mudanças ao nosso procedimento se for necessário.
Se alguém quer fazer uma denúncia por abuso, o quer contar algo relacionado com esse tipo de fatos, a quem deve recorrer para ser escutado?
Em cada país onde os legionários trabalhamos existe um canal de denuncia que inclui e-mails e números de telefônicos. Está publicado em nossas páginas web. Dentro de uns meses, cada território adicionara a esse meio um novo canal de denúncias gerenciado por uma organização independente com o fim de facilitar o caminho a quem necessite ser escutado e atendido.
Temos também disponível um e-mail na direção geral: childprotection@legionaries.org
A história recente dos Legionários de Cristo, gravemente afetada pelo descobrimento da vida dupla do fundador. De que modo esse conhecimento e experiência afetam a maneira na qual a Legião trata o tema de abusos sexuais hoje em dia? Você vê uma responsabilidade especial?
Temos uma grande responsabilidade. Vivemos em primeira mão a tragédia e a imensa dor que o abuso sexual causa não somente na vítima, mais também em todos os demais que são afetados de algum modo pela forma de atuar do abusador. O testemunho dos sobreviventes dos abusos de menores é o mais eloquente, e nos ajuda a não levar de forma tranquila o compromisso de que isso não voltará a acontecer. Pedir perdão a uma vítima, como temos feito e seguiremos fazendo, existe comprometer-se com ela para que a história não volte a acontecer.
Não podemos deixar de aprender com a nossa história e por isso, seguir um caminho de constante conversão e exigência. Nossa história, exigiu que nos engajássemos no campo de ambientes seguros de diversos modos já desde muitos anos, como tenho comentado anteriormente, aplicando umas politicas exigentes de prevenção e resposta. Temos o desafio de conseguir convertê-las em verdadeira cultura de proteção ao menor.
Os estudos científicos atuais em vários países mostram que o abuso sexual dentro da Igreja Católica tem causas sistemáticas. O mesmo Papa Francisco falou do problema do “clericalismo”. Segundo sua experiência, quais são as razões tão sistemáticas que se tem de enfrentar? O que é importante em termos de prevenção a partir de uma perspectiva sistemática?
O temor ao escândalo junto com o temor de “o que vai acontecer se…” Há estado presente, e talvez temos esquecido que a verdade, como nos ensina o Senhor no Evangelho, nos fará livres. Nesse sentido, o trabalho que fez o Pe. Benjamím Clariond, para sua tese doutoral, precisamente retifica a importância do compromisso com a verdade em cima de qualquer consideração de caráter reputacional, nos tem iluminado. Creio que sua pesquisa, que inclui uma parte sobre a influência negativa do clericalismo na credibilidade da Igreja, pode dar orientações validas para saber como atuar quando tem que enfrentar situações horríveis como pode ser um abuso.
Também na nossa história, há estado presente o paternalismo para quem realizou esses atos, o que não ajudou a assumir sua responsabilidade e compreender o dano causado. Isso foi amplificado às vezes pelo sentimento de alguns religiosos de terem direitos especiais sobre os outros fiéis apenas porque são sacerdotes, em vez de vê-los como um serviço aos outros. Em nível pessoal, creio que devemos lembrar que, mesmo que sejamos sacerdotes, não deixamos de ser homens, por isso precisamos aprender a ouvir, detectar nossas fragilidades e lidar com elas de modo adequado. Sobre cada um desses pontos temos trabalhado e seguiremos trabalhando para seguir enfrentando a mudança cultural necessário.
Espera-se que a Igreja coloque medidas efetivas de prevenção. Como vocês preparam os religiosos da Congregação durante a sua formação para ser futuros sacerdotes? Isso afeta a imagem do sacerdote que transmite os formadores?
Temos procurado com maior determinação que a formação humana dos futuros sacerdotes sejam mais integrais e mais profundas, baseadas em um melhor conhecimento de si mesmos e em que a liberdade interior que permita atuar coerentemente. Esses elementos são fundamentais para ver quem está apto para o sacerdócio. Estes mesmos requisitos estão colocados como nossos objetivos de confirmação para assegurar o cumprimento que nossa responsabilidade de cara a toda a Igreja.
Mas, a proteção de menores é um pressuposto fundamental do nosso ministério. Devemos ensinar na escuta para saber sair ao encontro e acolher a qualquer pessoa que possa estar em perigo de sofrer um abuso. Creio que as gerações de religiosos que hoje tem o desafio de ser sacerdote mais santos e preparados, e creio com fundamento que estão comprometidos em chegar a sê-lo.