(Frei Patrício Sciadini, ocd – Revista Shalom Maná)
Não sei quantos cursos de oração tenho ministrado ao longo da minha vida. Nem por isso me considero capaz de rezar nem de ensinar a rezar. A melhor pedagogia da oração nos é oferecida pelo próprio Jesus, quando um dia, estando em oração, os discípulos se aproximam dele e dizem: “Mestre, ensina-nos a orar como João Batista ensinou aos seus discípulos”. Jesus simplesmente diz: “Portanto, é assim que haveis de rezar: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino, seja feita a tua vontade assim na terra, como no céu. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa-nos nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam, e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.” (Mt 6,9-13).
A oração do Pai-nosso continua a ser o melhor método para aprender a rezar em todos os momentos. Antes de tudo, precisamos nos retirar no silêncio, na solidão, afastar-nos de tudo o que pode nos atrapalhar, desligar-nos do “mundo” para que ele não invada a nossa casa interior. É o momento de fechar todas as portas. Esta atitude não é sinônimo de fuga ou de falta de inserção, mas é o caminho pedagógico para entrar pela porta da oração que nos introduz no castelo interior da alma e nos leva aos segredos mais profundos, onde estamos a sós com Aquele que é.
Ninguém pode permanecer atento ao que acontece dentro de si se está totalmente distraído com aquilo que acontece ao seu redor. Concentrar-se na oração quer dizer dirigir os sentidos externos e internos ao único objeto da nossa oração. Contemplar a Deus no seu mistério trinitário e na presença viva e atuante das três pessoas da Santíssima Trindade, é dirigir o olhar para o Outro que sabemos que nos ama. Quando os olhos de Deus e da criatura se encontram, aí acontece a verdadeira intimidade que não pode ser traduzida com palavras, mas somente com o autêntico e verdadeiro silêncio de adoração.
Reconverter os nossos sentidos
Somos demasiadamente acostumados a não orientar os sentidos externos: a visão, a audição, o tato, o olfato, o paladar… Procuramos sempre o que mais nos agrada e isto lentamente nos afasta de uma “ascese” sadia e cristã que exige que saibamos ser senhores de nós mesmos. Lentamente percebemos que tantas coisas devem ser deixadas de ser vistas se queremos “ver” além das aparências e das coisas. Se nos acostumamos à solidão, ao silêncio com amor e se sabemos dizer “não” ao que pode nos prejudicar, vamos percebendo a necessidade cada vez maior de “disciplinar-nos” para que o homem velho possa morrer e o homem novo possa nascer e ser espiritual.
Não é tão fácil dominar e disciplinar os sentidos interiores: vontade, inteligência, imaginação. Aliás, Santa Teresa mesmo, com seu fino humorismo, chama esta – a imaginação – de “louca da casa” que, como tal, tem a força de levar-nos longe do que é essencial para estar a sós com o Senhor.
“O último remédio que encontrei, depois de sofrer longos anos, … é o de não ouvir mais a fantasia do que se ouve um louco; deixá-la com sua teimosia, que só Deus pode tirar – afinal, ela já está dominada… porque ela não pode, por mais que faça, atrair para si as outras faculdades.” (V 17,7).
“Há pouco mais de quatro anos vim a entender, por experiência, que o pensamento – ou imaginação, para que melhor se compreender –, não é a mesma coisa que o intelecto… A imaginação voa tão depressa que só Deus a pode deter, fixando-a a tal ponto que a alma parece, de certo modo, estar desligada do corpo. Eu via – segundo o meu parecer – as faculdades da alma fixadas em Deus e recolhidas Nele, e, por outro lado, a imaginação alvoroçada…
Ó Senhor, tende em conta o muito que sofremos neste caminho por falta de instrução!… Experimentamos terríveis sofrimentos por não nos entendermos. E chegamos a pensar que é grande culpa o que, longe de ser mau, é bom. Daqui provêm aflições de muitas pessoas voltadas para a oração, ao menos das que são pouco esclarecidas. Elas se queixam de sofrimentos interiores, tornam-se melancólicas, perdem a saúde e até abandonam a oração por completo, desconhecendo que há um mundo interior em nós. E assim como não podemos deter o movimento do céu, que anda a toda velocidade, tampouco podemos deter a nossa imaginação… Muitas vezes a alma está muito unida a Deus nas moradas mais elevadas, ao passo que a imaginação se encontra nos arrabaldes do castelo, padecendo com mil animais ferozes e peçonhentos e merecendo com esse padecer. Assim, nem a imaginação deve nos perturbar nem devemos deixar a oração, que é o que deseja o demônio.” (4M 1,8-9).
Reconverter os sentidos é o caminho para poder nos concentrar na oração ou em tudo o que fazemos. As distrações fazem parte da vida. Nem sempre somos capazes de dominá-las e “reuni-las” para que nos levem longe do objetivo do nosso agir, do nosso pensar e amar.
O auxílio de um bom livro
É sempre bom assumir uma atitude de discipulado e perguntar à Madre Teresa, mestra e doutora da oração, o que devemos fazer para nos concentrar com maior facilidade na oração, deixando de ser dispersivos e de ir de flor em flor sem sugar, como as abelhas, o saboroso néctar para depois transformá-lo em mel substancioso.
Um livro para se alimentar e se recolher. Ao longo dos seus anos de aridez e dificuldades na oração, Teresa encontrou ajuda no uso do livro como amigo e apoio nos seus momentos de solidão e sofrimento interior onde o seu coração estava árido e nenhum bom pensamento nascia ali. “Eu não teria conseguido perseverar na oração nos dezoito anos em que acometeram tamanhos sofrimentos e aridez, visto não poder fazer oração discursiva, sem as leituras. Por todo esse tempo, eu não me atrevia a começar a orar sem livro, exceto quando acabava de comungar; minha alma temia tanto orar sem livro que era como se tivesse de enfrentar um exército.” (V 4,9).
Esta experiência teresiana nos aconselha: “É muito útil usar um bom livro, mesmo para recolher o pensamento e vir a rezar bem vocalmente; assim, vai-se acostumando pouco a pouco a alma, com carinhos e artifícios, para não amedrontá-la.” (C 26,10).
Quais livros Teresa preferia para sua oração? Já havia superado o desejo de ler livros de “cavalaria” e buscava livros que lhe falassem e introduzissem no conhecimento de Jesus Cristo. Sabemos que ela leu e releu a Vida de Cristo do cartuxo Ludolfo de Saxônia, mas entre tantos livros, o Evangelho permaneceu o seu livro por excelência; no Evangelho ela buscou descobrir o rosto de Cristo e se concentrar na contemplação do Filho de Deus, que amava e contemplava na sacratíssima humanidade: “Sempre tive afeição pelas palavras dos Evangelhos, que me levavam a maior recolhimento do que livros muito bem redigidos – especialmente se o autor não era muito aprovado, eu não tinha vontade de lê-los. Recorro, portanto, a esse Mestre da sabedoria e talvez aprenda Dele alguma consideração que vos contente.” (Caminho 21,4).
Este conselho é válido também hoje, pois a Palavra de Deus, a Bíblia, é o livro fundamental do nosso encontro com Deus, a fonte da nossa oração.