Por Teresa Lazarini- Blog Sempre Família
Muitas crianças ficam famosas cedo. Com 10, 11 anos, meninos e meninas que deveriam estar ocupados com a lição de casa do dia seguinte. A entrada de crianças no mundo do cinema é necessária: filmes precisam de atores, estejam eles representando adultos ou crianças. Mas quando um menino ou menina é retirado de um ambiente preparado para a sua faixa etária – como a escola e a família – e lançado para outro no qual ele terá as mesmas funções e preocupações de um adulto, os efeitos podem ser irreversíveis, desencadeando em uma bola de neve.
O debate do problema da adultização – fenômeno dado a esse encurtamento da infância – foi reacendido quando Millie Bobby Brown, atriz de Stranger Things, apareceu com um look sério na estreia da segunda temporada da série. Muitos ficaram surpresos com a escolha de Millie: um vestido de couro e salto alto. Um ano atrás, a menina de 13 anos havia escolhido como look de premiação um vestido brilhante claro, um All-Star e uma tiara na cabeça.
Infelizmente, essa transformação era inevitável. Na indústria cinematográfica, as crianças e pré-adolescentes como Millie sofrem uma pressão para crescerem mais rápido, e essa realidade é vista principalmente em meninas. Meninas que parecem mulheres vendem mais – porque elas seduzem mais. Ainda com apenas doze anos, a atriz de Stranger Things saiu na capa da Interview, revista sobre celebridades cujo público alvo são adultos. O ensaio não pode ser considerado inteiramente sensual, mas, ao longo das fotos, o leitor se esquece de que está vendo uma menina de 12 anos.
Mesmo que a tendência da adultização seja vista nos dois gêneros, para meninas a incidência é muito maior. Se formos notar, nenhum dos quatro atores do elenco de Stranger Things foi visto em capas de revistas para homens adultos como a GQ com fotos sensuais e provocativas. Não podemos negar que meninos também se tornam adultos mais cedo na indústria cinematográfica, porém no gênero feminino as consequências dessa violação à infância provocam um mal não só a elas, mas a todas que têm uma atriz mirim como modelo.
Meninas durante a pré-adolescência são muito facilmente influenciadas pela questão da popularidade, que seria o quesito “bem-sucedido” para os adultos. Quando elas enxergam uma personagem famosa e querida com a mesma idade e que age como uma adulta, muitas meninas diretamente associam que, para serem populares como as atrizes, devem ser “adultas” como elas. As crianças começam a sentir a necessidade de serem sensuais para serem aceitas, porque é isso que enxergam na mídia.
Um estudo conduzido pela Universidade Knox, em Galesburg (Illinois, EUA), reuniu 60 meninas entre 6 e 9 anos de idade e apresentou a todas duas bonecas: uma vestida com roupas modestas, cobrindo a maior parte do corpo, e a outra com trajes declaradamente sensuais. Cada menina deveria escolher uma das duas bonecas em quatro quesitos: com a qual ela julgava ser mais parecida, qual ela gostaria de ser no futuro, qual seria mais popular na escola e com qual das duas ela gostaria de brincar.
Em todos os tópicos, a boneca sexy venceu a recatada: 68% das meninas gostariam de ser como a boneca sensual e 72% afirmaram que essa seria a mais popular dentre o grupo de amigas. Esta prioridade na escolha é explicada quando entendemos que as meninas têm como modelo as crianças famosas que veem na televisão e nas redes sociais.
Para Cristhiane Ferreguett, professora da Universidade do Estado da Bahia, a adultização precoce da menina também acontece por conta da pressão dos meios de comunicação, que incentivam o consumo de produtos e serviços. “Criança com o comportamento de criança consome menos e por isso a publicidade e a mídia solicitam que as meninas se vistam como uma mulher adulta, usem maquiagem e outros produtos. Nesse contexto, batons, sombras, esmaltes, roupas e sapatos apropriados para a mulher adulta são oferecidos para as meninas como sendo algo necessário para a vida delas”, explica Ferreguett.
Com a substituição de programas em família por programas na televisão, os astros mirins acabam tendo muito mais influência na construção da adolescência de uma menina do que os próprios pais. O verdadeiro debate não é por que as meninas querem ser cada vez mais precoces, mas o que as impulsiona a quererem encurtar uma das melhores fases da vida.