Existe um modo próprio dos leigos e leigas viverem a fé cristã? Qual a espiritualidade que os move? As orientações da Igreja falam de uma “espiritualidade encarnada”, pois se baseia no mistério da Encarnação, de Deus que veio até nós, que entrou no mundo para revelar o amor do Pai e nos salvar, no mistério da Redenção. Não se trata de fugir do mundo ou refugiar-se em lugares distantes das realidades temporais, mas de encontrar Deus ali, na vida familiar e profissional. Também não se trata de imitar o modo de viver a fé própria da vida religiosa e dos ministros ordenados. Então, o desafio é, no cotidiano da vida, criar um espaço interior onde o encontro com Cristo se renova constantemente e é acolhido como o Caminho. Podemos, em certo sentido, falar que os leigos vivem um espírito contemplativo, que os ajuda a crescerem na fé e darem sentido cristão a todos os compromissos e atividades.

O ponto de partida é sempre o mesmo: Jesus Cristo. Os leigos, trabalhadores na vinha do Senhor, são, em primeiro lugar, discípulos de Jesus Cristo. O encontro com Jesus Cristo se dá pela Palavra e pela Eucaristia, vividos num processo de conversão pessoal permanente, com um vínculo com uma comunidade de fé. Faz muita diferença viver uma tarefa profissional ou evangelizadora como uma obrigação ou com um ardor que brota do fogo do Espírito que arde nos corações dos cristãos. Por isso, diz o Papa, “sem momentos prolongados de adoração, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se” (EvangeliiGaudium, n. 262). Francisco chama de “evangelizadores com espírito” a todos os que se abrem à ação do Espírito Santo e se deixam transfigurar pela presença de Deus.

A espiritualidade do leigo cristão lhe dá a certeza que ao exercer com alegria e retidão sua profissão estará contribuindo para a realização do bem comum, para que todos tenham vida. O evangelho será o critério por excelência da formação de sua consciência moral, de tal modo que saberá discernir o que é da vontade de Deus e o que ofende a Deus e aos irmãos. Somente conseguirámanter-se na missão evangelizadora, sobretudo com os mais pobres, nas realidades de sofrimento e dor, se dedicar tempo para a oração sincera, para saborear a amizade com o Senhor que está vivo e caminha conosco, mesmo nos momentos de provação. É no caminho de formação e maturidade da fé que o leigo renova constantemente seu batismo, aprende de Jesus Cristo a viver a compaixão e o amor serviçal que leva a dar a vida. O lugar privilegiado de cultivar esta espiritualidade é a comunidade de fé, a partir da qual se sente enviado em missão e para a qual retorna sempre, com a sede de encontrar novamente “água viva” (cf. Jo 4,13-14).

Fica claro, então, que a fé dá sentido a todos os âmbitos da vida humana. É muito errada a compreensão da fé como algo meramente privado e intimista ou, também, como separada das opções fundamentais do mundo do trabalho, da profissão, da ética e até dos valores. Esta esquizofrenia entre fé e vida é um grande mal. Concordamos com o Santo Padre ao dizer que “não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração” (EvangeliiGaudium, n. 262).

Dom Adelar Baruffi- Bispo de Cruz Alta

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