Por: Ir. Lucas Brito, L.C.

Pode alguém possuir um amor maior que o de uma mãe pelo seu filho? Parece ser que a relação de maternidade é algo além da capacidade normal de amar de uma pessoa. Um grande exemplo disso é quando uma mãe, ao ver o filho sofrendo alguma dor ou enfermidade, desejaria viver todo o sofrimento no lugar dele, em virtude do amor que possui àquele que é fruto de suas entranhas. Entretanto, por mais que existam ânsias de salvar ao filho, existirá sempre uma barreira limitante, da qual ninguém pode ultrapassar.

Quando falamos de Jesus, vemos a alguém com um amor que supera a qualquer amor materno, a ponto de ultrapassar os limites da matéria e assumir o sofrimento por cada um dos seus filhos para curá-los da enfermidade do pecado. Ele nos afirma, através do profeta Isaías, que ainda que uma mãe fosse capaz de esquecer-nos, Ele nunca nos esqueceria (Cf. Is 49,15). No esquecimento de Eva de sua prole pecadora, Ele não se esqueceu de nós e assumiu as nossas dores em cada momento de sua Paixão. Por esse motivo trataremos hoje da flagelação.

É muito curioso que Jesus tenha  sido condenado à flagelação, pois o direito romano tinha o princípio: “non bis in idem” (Não dois castigos à mesma pessoa). Normalmente os condenados à morte recebiam a flagelação no caminho até a crucifixão e não antes, o que faz da pena de Jesus um caso único. Esse será um dos fatores determinantes quando fizermos o cálculo de probabilidade que nos determinará se o homem do Sudário é um crucificado qualquer ou se realmente coincide com a pessoa de Cristo.

A flagelação era uma pena muito temida pelos criminosos e chegava a ser tão brutal que muitos morriam durante a sua aplicação. O condenado era atado pelas mãos a uma coluna de baixa estatura enquanto eram usados diversos instrumentos de açoite de acordo com a classe social do condenado: a virga (espécie de vara) para a classe alta, o látego para a classe média ou soldados, e o flagrus taxilatum para os escravos e rebeldes. Este último, composto de duas bolinhas de metal unidas por uma pequena barra atada a uma corda, foi aquele utilizado para golpear ao homem do Sudário.

Analisando a imagem, especialmente nas fotografias em negativo, se percebem bastante claras 120 feridas espalhadas por todo o corpo, provavelmente causa de uma dor terrível, especialmente quando os verdugos repetiam golpes em regiões já antes lesionadas. Provavelmente eram dois os açoitadores, um mais alto que o outro, pelo desnível verificado nas feridas existentes no corpo. Também é possível supor que fosse três o número de cordasdo flagrus taxilatum, pois assim seria respeitada a lei judia de um máximo de 40 chibatadas por homem.

O fato de que as feridas estejam espalhadas por tudo corpo, inclusive nos glúteos, é um forte indício de que Jesus foi despido durante o momento da flagelação, implicando não somente a grande dor causada pelo flagrus taxilatum, mas também a grande vergonha de um judeu ao ser exposto desnudo em público.

Não disse Pôncio Pilatos: “não acho nele nenhum motivo de condenação” (Jo 19,4)? Por que então tanta dor sem culpa alguma? O homem do Sudário nos abre o coração a uma das perguntas mais radicais de que o homem é capaz de fazer-se: por que o sofrimento inocente? Evocando esta pergunta dramática a imagem de Jesus não deixa de dar-nos uma resposta.

É Jesus mesmo a resposta ao nosso sofrimento. O sacrifício em Crristo adquire uma nova concepção até então desconhecida e que parece até hoje permanecer no esquecimento, a de uma dor vivida não somente por uma pena imposta, mas somente por  amor, como o de uma mãe desejosa de sofrer pelo filho. Ele é o ícone eloquente do martírio sofrido para livrar-me daquele sofrimento que sim eu deveria ter medo:  a eterna condenação.

Por fim, o sofrimento de Jesus é um chamado a livrar-nos do nosso egoísmo. Como não lembrar-nos de nossos irmãos sofredores no mundo atual, por consequência do pecado humano? Vítimas do ódio, da guerra, da fome, e sobre tudo os padecentes da falta de Deus. Cada gota de sangue derramado por Jesus é amor que transborda de compaixão por eles.

Eis que Cristo nos dá uma oportunidade única nesta Quaresma: a de viver os “pequenos flagelos” de cada dia por amor e somente por amor. Vivamos especialmente o dia de hoje em oração, jejum e esmola especialmente por motivo da Jornada Mundial da Paz, pedida pelo Papa Francisco, para reparar e compartilhar a dor que sofrem nossos irmãos do Congo e o Sudão do Sul em razão da guerra.

Senhor, por causa do meu egoísmo eu não queria sofrer, mas vendo na imagem do Teu sofrimento o rosto de tantos irmãos meus que padecem sofrimentos muito maiores aos meus, gostaria de oferecer-te estas pequenas dores em união ao teu Sacrifício pela redenção dos homens. E em união a Ti eu possa perceber o amor misericordioso que vence a toda sensação de impotência diante da dor, toda tentação de desespero, na certeza da Tua promessa de que são “felizes os que choram, porque serão consolados” (Mt 5, 4).

 

Notas:  1. Discurso do Santo Padre São João Paulo II em ocasião da Mostra do Santo Sudário em Turim, 28 de maio de 1998. https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/speeches/1998/may/documents/hf_jp-ii_spe_19980524_sudario.html. 14 fevereiro 2018 10:11:22 GMT

Ibidem

 

Se você não leu os dois primeiros capítulos da série, confira aqui Capítulo 1 e Capítulo 2!

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